O efeito da pobreza social no cérebro

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Profa. Dra. Roberta Bocchi[1]

Crianças expostas a ambientes pobres em estímulos cognitivos e inseridas em condições de vulnerabilidade, apresentam desenvolvimento mental abaixo da média esperada para a sua faixa etária.  A desigualdade social mata. Embrutece o humano e não permite que ele enxergue além de seu limite, que cada vez se mostra mais estreito.

Um estudo realizado com base em dados da população brasileira e publicado pela Universidade de Luxemburgo em 2015 intitulado “A pobreza e a Mente[2]”, indica uma relação estreita e prejudicial entre a condição de pobreza infantil e os resultados educacionais dos jovens estudantes das escolas públicas brasileiras.

Na pesquisa os autores afirmam que “o nível socioeconômico foi fortemente associado às habilidades cognitivas das crianças, sendo responsável por mais de 30% da variabilidade nas funções executivas e mais de 50% da variabilidade na linguagem. Essas relações permaneceram estatisticamente significantes mesmo após terem sido controlados o status nutricional e emocional, bem como a saúde geral das crianças”.

A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), no ano de 2018 publicou um relatório[3] apontando que, em média, uma criança brasileira exposta ao ambiente de pobreza infantil precisaria viver nove gerações para atingir uma renda financeira considerada média.

Em 2019, a Fundação Abrinq publicou uma pesquisa revelando que 47,8% das crianças de 0 a 14 anos viviam em situação de pobreza, de um total de 63,5 milhões de pessoas na mesma situação.

São números assustadores, que já nos assombravam antes da pandemia e que agora, parecem nos atormentar ainda mais.

No último dia 10 de maio, a repórter Valéria Oliveira (G1 RR) publicou na mídia brasileira uma foto seguida de reportagem que chocou o país. Uma menina Yanomami debilitada, deitada em uma rede na comunidade Maimasi, região de difícil acesso na floresta amazônica, em Roraima, deixava claro que algo em nosso país não ia bem.  Como uma criança chega a esse ponto? Quantas iguais a ela estão espalhadas pelo país? Onde estão os novos dados estatísticos oficiais sobre essa catástrofe?

 

Para os que pensam se tratar de uma foto de algo muito distante, saiba que essa tragédia social está bem próxima. No último dia 11 de maio, no portal UOL, o jornalista Rodrigo Bertolotto publicou uma matéria intitulada “Colheita Noturna”, onde fez um relato sobre os catadores de lixo que buscam o sustento na escuridão de um lixão de Peruíbe, no litoral de São Paulo. Ele afirma que “parecem que eles vasculham destroços de alguma civilização extinta. Na verdade, os feixes de luz revelam o colapso da nossa” (BERTOLOTTO, 2021)[4]

 

 

Um cérebro perdido no que poderia ser sua melhor fase

O cérebro é organizado em regiões e funções, que se comunicam durante todo o tempo. Essas regiões foram formadas durante a gestação e se desenvolvem durante toda a vida, mas precisam de boa alimentação, estímulo adequado e ambiente sadio para que isso aconteça. Especificamente, há uma região do cérebro que amadurece com a idade, em média até os vinte e cinco anos, é chamada de córtex pré-frontal, responsável por dar respostas mais elaboradas a situações diárias que não podem ser respondidas apenas de forma emocional e/ou automática.  A ausência na idade correta de estímulos externos adequados, bons nutrientes e boa convivência, pode comprometer o entendimento de mundo e o comportamento social de uma pessoa para toda a vida.

Logo, uma boa alimentação, seguida de estimulação escolar e familiar, pode garantir o pleno desenvolvimento humano. Mas o que falar de uma criança privada dessa condição? A possibilidade de prejuízo cognitivo nesse caso é real.

A ciência quer ajudar

As pesquisas científicas sobre essa constatação são muitas e estão disponíveis livremente para todos os interessados, basta acessar uma das diversas plataformas de busca gratuitas. Elas trazem respostas importantes, indicam caminhos e descaminhos e podem direcionar as ações públicas. Por qual motivo não são utilizadas para pensar ações de políticas públicas voltadas para esse desastre social?

A ciência nos permitiu evoluir e ganhar mais qualidade e quantidade de vida, os avanços técnicos e tecnológicos estão presentes no mundo para auxiliar na resolução de problemas dos mais variados, mas infelizmente parecem mais voltados ao enriquecimento de poucos em detrimento da população mais necessitada.

Há ainda os que negam a ciência, não percebendo que acabam negando sua própria existência na terra e condenando todos ao extermínio. Sem a ciência não teríamos a energia elétrica, a água encanada, a rede de esgoto, a pavimentação das ruas, os hospitais, as escolas ou a política.

Enfim, nesse bate cabeça, nesse culto ao negacionismo e nessa cegueira contagiosa, está presente o tempo, implacável para aquele que morre de fome agora.

Como já dizia o poeta: o tempo não para.

[1]Doutora em Educação – PUC/SP – área Políticas Públicas e Reformas Educacionais e Curriculares; Especialista em Neurociência aplicada à Educação pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; Supervisora de Ensino efetiva da Rede Pública Estadual de Educação do Estado de São Paulo.

[2] Disponível em: http://cpnsp.com.br/sms/files/A_pobreza_e_a_mente_perspectiva_da_ciencia_cognitiva_DEVPOLUX_2015.pdf – acesso em 11/05/2021

[3] Disponível em: http://portalods.com.br/wp-content/uploads/2019/03/Brazil-2018-OECD-economic-survey-overview-Portuguese.pdf – acesso em 11/05/2021.

[4] Disponível em: https://tab.uol.com.br/edicao/lixao-de-peruibe/index.htm#page1 – acesso em 11/05/2021.

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