As crianças estão em casa, o que fazer?

Por consequência do período de distanciamento social que vive o mundo, a maioria das escolas suspenderam as aulas presenciais e iniciaram um processo de aprendizagem online que ainda não tem data concisa para terminar.  Coube então às famílias cuidar desses momentos de aprendizagem e garantir a saúde física e mental dessas crianças.

Sabemos que nesse momento toda a família está apreensiva, mas isso não pode prejudicar a aprendizagem dos pequenos e a garantia de saúde de todos. Por isso, fazer desses momentos em família algo prazeroso, saudável e construtivo, talvez seja o maior legado que esse período deixe em nossas vidas.

Um cérebro que quer aprender

É importante salientar que o cérebro das crianças em idade escolar já está organizado em regiões e funções, que se comunicam durante todo o tempo. Essas regiões foram formadas durante a gestação, mas há uma região específica do cérebro que continua seu desenvolvimento até em média os vinte e cinco anos de idade, é a chamada de córtex pré-frontal, responsável por dar respostas mais elaboradas a situações diárias que não podem ser respondidas apenas de forma emocional e/ou automática. Logo, considerando a faixa etária de nossas crianças matriculadas na Educação Básica, temos em mãos a maior parte desse tão importante potencial, que agora, mais do que nunca, depende de estimulação escolar e familiar para seu pleno desenvolvimento.

Os que ansiarem por mais informações sobre as funções concentradas na região cerebral denominada de córtex pré-frontal e todo o seu potencial, podem acessar clicando aqui.

Pensando no desenvolvimento dessas funções chamadas de Executivas e na importância de estimulação constante e adequada, separei algumas dicas que podem auxiliar nesse processo.

Mãos à obra

1 – Mantenha contato com a natureza. As sensações presentes em um simples quintal ou na vista de uma única janela é capaz de estimular vários dos sentidos humanos, como a audição, a visão e o olfato. Uma brincadeira possível é propor a adivinhação de um ponto no horizonte. Uma das pessoas escolhe um ponto, dá algumas dicas para as outras pessoas e pergunta: o que estou vendo? Diante das dicas e do universo de possibilidades presentes, as pessoas tentarão encontrar o objeto. Além dos sentidos, essa atividade estimula a criatividade, a atenção e o foco;

2 – Pratique a leitura em conjunto. A diferença entre ler sozinho e ler em conjunto está na diversificação dos órgãos dos sentidos envolvidos. Enquanto a primeira, não menos importante, proporciona uma reflexão e imaginação solitária, a segunda envolve a necessidade de uma escuta atenta, estimulando a audição, o foco e a percepção da interpretação dada pelo outro na hora da leitura.  Uma dinâmica possível é escolher o texto em família, de modo que cada membro familiar tenha uma oportunidade de fazer essa escolha e ver sua opção sendo valorizada por todos. Após a leitura há a possibilidade de conversar sobre o conteúdo, propor a encenação de algumas partes, desenhar o trecho que mais gostou, ou até comentar o que não gostou. Algumas leituras já se transformaram em filmes e podem ser comparados enquanto veículos de comunicação diferenciados, com enfoques diversos. Vale muito a discussão;

3 –  Se entreguem por algum tempo ao ócio. Nos momentos de tédio as crianças são estimuladas a inventar o que fazer e essa ação desenvolve a criatividade.   Não só as crianças como os adultos também precisam se entregar ao ócio para além do exercício possível da criatividade, poderem promover uma trégua cerebral no meio de tantas informações por vezes desencontradas e fatalistas;

4 – Amor de família. O carinho entre os familiares é fundamental para superar esses momentos tão incertos que estamos vivendo. Mesmo com a necessidade momentânea de menos contato físico, basta um olhar carinhoso, uma escuta atenta e um fazer junto para estreitar os laços de família e transformá-los em ótimas memórias de longa duração.

Mas e as famílias em situação de vulnerabilidade?

É importante lembrar que todas essas dicas valem para as famílias que possuem condições mínimas de sobrevivência, mas sabemos que uma grande parte da população brasileira não se encaixa nesse perfil.

Um estudo realizado com base em dados da população brasileira e publicado pela Universidade de Luxemburgo em 2015 intitulado “A pobreza e a Mente”, indica uma relação estreita e prejudicial entre a condição de pobreza infantil e os resultados educacionais dos jovens estudantes das escolas públicas brasileiras.

Na pesquisa os autores afirmam que “o nível socioeconômico foi fortemente associado às habilidades cognitivas das crianças, sendo responsável por mais de 30% da variabilidade nas funções executivas e mais de 50% da variabilidade na linguagem. Essas relações permaneceram estatisticamente significantes mesmo após terem sido controlados o status nutricional e emocional, bem como a saúde geral das crianças”.

Imaginem agora, nesse cenário de pandemia, desemprego e incertezas, o que será dessas crianças?

Tomando como exemplo o Estado de São Paulo, o epicentro atual da pandemia de coronavírus no Brasil, a circunstância de pobreza e vulnerabilidade da população pode ser observada se analisarmos os últimos resultados publicados pela Fundação Seade sobre o cenário distributivo da parcela da população mais pobre do Estado.

Do total de 16,2 milhões de pessoas consideradas extremamente pobres no país, com renda per capita inferior a R$ 70, cerca de 1,1 milhão reside no Estado de São Paulo, o que representa 7,0% da população pobre do país, ou 2,6% da população paulista. No conjunto do país, 8,6% dos brasileiros vivem em extrema pobreza. (Disponível em: http://produtos.seade.gov.br/produtos/retratosdesp/view/index.php?indId=13&temaId=1&locId=1000)

Diante desse panorama, é preciso questionar com urgência quais as providências que o poder público concentrado nas diversas esferas governamentais está fazendo para essa parcela da população.

Em alguns Estados brasileiros, como no Estado de São Paulo, há iniciativas de ajudas financeiras para as famílias de baixa renda, merenda escolar em casa, material didático entregue aos alunos com orientações de estudos impressos e online, além de suporte pedagógico aos profissionais que irão acompanhar esses estudos. Mas e nos demais Estados brasileiros, como isso estará acontecendo? Quais as providencias tomadas pelo poder público federal até esse momento?

Se antes, quando podíamos ir e vir, essa população vulnerável economicamente passava despercebida por muitos, agora, que não podemos mais ir e vir como antes, se tornaram realmente invisíveis.

Em um momento onde as disparidades econômicas ficam tão evidentes e quase ditam quem vai viver e quem vai morrer, lembro de uma citação da Prof.ª Dra. Branca Jurema Ponce que afirma:

Quanto mais carências têm os indivíduos, mais eles se embrutecem. No limite, quando lhes falta o essencial, a sua humanidade corre o risco de regredir ao puro estado de animalidade. O seu grau de consciência e liberdade é, portanto, diretamente proporcional ao seu bem-estar material, físico, cultural, emocional e espiritual”. (PONCE, 2002, p.18)

Será que estamos regredindo ao estado de animalidade ou ainda podemos fazer alguma coisa para que este estado não se instale?

O que você pensa sobre essa questão?