Será que o ensino remoto é capaz de evitar possíveis atrasos cognitivos no desenvolvimento mental de crianças e jovens?

O processo educacional formal é fundamental para o desenvolvimento cerebral humano, uma ruptura em sua linearidade pode representar atrasos no desenvolvimento mental de crianças e jovens. Por essa razão, a continuidade do processo, mesmo que de forma remota, é ponto básico para a garantia mínima de prosseguimento desse tão importante recurso humano.

É verdade que o contato social, a troca de olhares e a capacidade de entender o outro através de sutilidades percebidas apenas em uma educação presencial, ficam a desejar quando adotamos uma forma remota de ensino, mas é preciso garantir a continuidade educacional para que atrasos cognitivos graves não ocorram e possíveis danos possam ser reduzidos.

O processo educacional é capaz de provocar alterações na expressão genética dos educandos e estimular o que chamamos de neuroplasticidade. Esse conceito, também conhecido como plasticidade cerebral, teve origem a partir dos estudos desenvolvidos na biologia molecular e na Neurociência. Segundo Lent (2018), neuroplasticidade é a “propriedade do sistema nervoso de alterar a sua função ou a sua estrutura em resposta às influências ambientais que o atingem” (LENT, 2018, p.112).

No ano de 2006, o Neurocientista e Prêmio Nobel de Medicina Eric R. Kandel, demonstrou que a expressão genética e a plasticidade cerebral podem ser facilitadas pelo processo de aprendizagem. Segundo Kandel, podem ocorrer mudanças no comportamento e desencadeamento de alterações na expressão genética que “alteram   as conexões   sinápticas, provocando   mudanças   estruturais, que mudam o padrão anatômico das interconexões entre as células do cérebro”. (KANDEL, 2006, p. 1.030-1.038)

Construindo conhecimento

Partindo dessas definições, é possível entender que a Educação tem potencial para provocar alterações nos tipos de conectividades existentes na mente humana. Ação fundamental não só na formação do sujeito-aluno, mas também na formação da sociedade onde esse aluno está inserido. Talvez seja uma boa explicação para o que chamamos de função social da escola.

Nossos neurônios podem a todo momento modificar suas conexões, fortalecendo-as ou enfraquecendo-as.  Isso irá depender de uma série de fatores, sendo um deles e talvez o mais importante para a Educação, a estimulação externa.

O encéfalo humano possui bilhões de neurônios, que podem se comunicar com milhares de outros neurônios, formando uma rede de informações que movem e determinam uma série de fatores da vida. Quanto mais se estimula um tipo de pensamento, o estudo de um determinado conteúdo ou uma única maneira de resolver problemas, mais forte essa conexão neural se torna e mais robusta se instala na memória.

Porém, não há uma única forma de resolver problemas e nem um único conteúdo a ser trabalhado, a vida oferece e exige muito mais que isso. É preciso pensar na ampliação desse conhecimento, na necessidade de estimular novas conexões neurais, novas possibilidades de aprendizagem. Do contrário, estaremos formando sujeitos de pensamentos limitados e aprisionados em modelos mentais pobres e por vezes ultrapassados.

No momento da preparação de um plano de aula, seja ele presencial ou de forma remota, que tenha como objetivo expandir o conhecimento do educando a respeito de um determinado tema, é fundamental ampliar a visão de mundo do aluno, criando situações de aprendizagem que incentivem a descoberta de novos caminhos, novos entendimentos, opiniões diversas, priorizando a estratégia de resolução do problema e não apenas a sua solução final.

Quanto mais se usa apenas uma conexão neural que se tornou ao longo do tempo mais robusta, para o entendimento do mundo, mais se limita a visão desse mundo. É preciso incentivar outras visões e outras conexões para ampliar o entendimento humano do sujeito-aluno. É fundamental promover conexões entre elementos que não estavam conectados anteriormente, mostrar as diversas possibilidades e experiências, proporcionar conhecimentos diferentes para que o educando adquira o poder da escolha.

O processo educacional é um dos principais responsáveis pela neuroplasticidade sadia de nossos pequenos brasileiros, dando espaço para o momento em que intensamente e libertariamente pensamentos, sentimentos e comportamentos são modificados.

O ensino remoto

A forma remota de ensino pode ser definida como uma transmissão online em tempo real das aulas que antes eram realizadas de forma presencial. É um importante recurso cognitivo para a continuidade do desenvolvimento cerebral dos estudantes em um momento como o atual, onde o isolamento social se tornou necessário. Mas exige alguns cuidados:

  • Entender que o ensino remoto está distante de ser a solução, mas pode contribuir para a redução de possíveis danos cognitivos;
  • O uso de novas tecnologias deve ser visto como um meio e não como um fim;
  • É preciso cuidar para que a maioria dos usuários tenham acesso tecnológico adequado, evitando acentuar ainda mais as desigualdades sociais;
  • É necessário preparar aulas dinâmicas e com tempo adequado ao ambiente tecnológico utilizado;
  • É preciso entender que alguns processos como a avaliação, entrega de atividades e/ou exercícios propostos pelo professor, devem seguir um ritmo diferenciado, com foco no rendimento global e ênfase qualitativa e não quantitativa;
  • No caso dos alunos da Educação Básica, a família deve apoiar os estudos remotos e auxiliar o educando na organização de rotinas e atividades.

Lembrando que o direito a aprendizagem deve ser garantido a todos sempre e que nada substitui uma boa aula presencial e a convivência social proporcionada pela escola.

Referências

KANDEL, E. R. The Molecular Biology of Memory Storage:  A Dilogue Between Genes and Synapses. Science, v. 294: n. 5.544, p. 1.030-1.038, 2001.

KANDEL, E. R. In. Search of Memory. New York: W. W. Norton. 2006.

LENT, R. Neurociência da mente e do comportamento. Rio de Janeiro: Koogan, 2018.