Em tempos de FUNDEB é preciso perguntar: há corrupção na Educação?

No ano de 2019 tive a alegria de publicar um livro intitulado “HÁ CORRUPÇÃO NA EDUCAÇÃO? ( Clique aqui para adquirir ) Relatos daqueles que vivem essa realidade no chão da Escola Pública brasileira[1]”. Ele foi o resultado de minha pesquisa de doutorado[2] realizada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP – Programa Currículo – área Políticas Públicas –  entre os anos de 2011 e 2015, onde investiguei o financiamento público das Escolas Estaduais do Estado de São Paulo.

Nesse momento, por ocasião das discussões no Brasil em torno da aprovação do Fundeb[3] permanente, condição essencial para a sobrevivência da Educação Pública brasileira, resolvi publicar aqui um trecho dessa obra que marcou minha vida, por entender que além de discutir uma política pública de financiamento educacional, é preciso refletir também para onde vai e como é gasto esse tão importante recurso financeiro.

Sou uma Agente Pública – Supervisora de Ensino da Rede Estadual de São Paulo – produto e fruto da Escola Pública. É nela que me formei, é a partir dela que me lancei no mundo, é para ela que retornei e é para ela minha luta.

Falar de financiamento público não é tarefa fácil, escrever é menos ainda. Trata-se de um tema árido, porém, de extrema necessidade no atual cenário brasileiro, marcado pelo medo, por disputas de poder, tendências capitalistas, populismos exacerbados e corrupção.  Este último, como um fantasma de corrói vários espaços da área pública é aqui abordado, com uma escrita simples e direta, convidando o leitor a um mergulho no universo financeiro escolar.

Para publicar a livro que precedeu este artigo, levei tempo, dedicado ao seu preparo, às diversas leituras e releituras, à opinião dos amigos e amigas, aos olhares da família e aos olhos de meu filho, que me convidavam e ainda convidam a não ter medo da verdade, afinal, trata-se de pesquisar e escrever sobre o mundo que estamos deixando para ele. Seus olhos foram para mim quase uma prece, de socorro, não só por ele, mas por todos os seus colegas de escola, conhecidos ou não, mas que juntos faziam parte do contexto pesquisado por mim, revelado em sua essência e impossível de ser sufocado por um simples e egoísta medo. Então vamos lá!

O que falar sobre a corrupção?

A decisão de investigá-la implica uma série de desafios que podem colocar em risco a saúde física e mental daquele que investiga. Há relatos pelo Brasil e pelo mundo de ativistas da área que são perseguidos, agredidos das mais variadas formas, ou até, eliminados. As ações de repressão são geralmente silenciosas e encobertas pelo poder corrupto, que se esconde na ideia de impunidade e capacidade financeira. A população, na maior parte do tempo alheia ao movimento e sem informação correta sobre a questão, tem sua atuação inibida ou desviada e como consequência, não ocorre uma comoção popular capaz de pressionar por ações concretas de combate à corrupção.

O desconhecimento da população em relação ao tema Financiamento Educacional e sua relação com a corrupção não ocorre por acaso, ele é provocado pelo caos instituído nos diversos cantos do mundo. Quando uma pessoa não tem a garantia de seus direitos básicos, como comida, abrigo, segurança e saúde, não há espaço para pensar em questões mais amplas, mesmo que sejam a raiz de seu sofrimento, mesmo assim, devido ao martírio humano vivido, não enxerga mais nada além de sua sobrevivência imediata. Infelizmente é essa a realidade de uma parcela grande da população mundial.

Em 2018 o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) divulgou o Índice de Pobreza Multidimensional[4] que somou 1,3 bilhão de pessoas em situação de pobreza no mundo. Em contraste a esta realidade, segundo estudos de Dowbor (2017), a parcela dos mais ricos do mundo soma a quantia de “33 milhões, o equivalente a 0,7% do total de adultos do Planeta”. (DOWBOR, 2017, p.27)

A corrupção instaurada nas mais diversas Instituições públicas rouba dinheiro dos mais pobres em dois momentos cruciais, quando lhes tira o direito básico da vida e quando não lhe dá tempo para refletir sobre sua condição humana.

Dentro dessa realidade desigual, cruel e alienadora, parece que a verba pública voltada à Educação está primeiramente para a manutenção de um tipo de poder, para só depois, pensar em projetos para o aluno, dando-lhe a oportunidade de pensar no seu próprio futuro. Entender o mecanismo financeiro da esfera educacional e os possíveis meandros da corrupção é caminho de sucesso para a reversão dessa lógica capaz de impedir o sonho daqueles que inevitavelmente serão o futuro de nosso País.

Cabe a você decidir em qual futuro apostar!

Há corrupção na Educação Pública Brasileira?

Você já se fez esta pergunta? Sabe a resposta? Pode contar algo que presenciou ou ouviu sobre este questionamento? Provavelmente você se mostrou curioso e/ou afirmativo por algumas destas questões, ou até, em mais de uma. Só espero que você não tenha ficado tão preocupado a ponto de querer fugir. Calma, só você está lendo estas palavras, continue!

Na verdade, conto agora, somente a você, que sim, há corrupção na Educação Pública Brasileira. Mesmo havendo fiscalização de gastos, com a obrigatoriedade de prestações de contas oficiais, sujeitas a aprovação ou não de órgãos centrais que apenas conferem papéis oficiais juntados em uma determinada ordem, há uma rede invisível instituída que suga o orçamento público e se favorece dele.

Há uma cultura estabelecida de apropriação privada dos recursos públicos arraigada no país. A invisibilidade desta rede de corrupção se instala e se fortalece na atitude de consentimento dos envolvidos, mesmo não concordando inteiramente. Fazem-se de cegos, suspeitam ou até mesmo presenciam, mas com a cultura do abafa, deixam-se vencer. Quem vê não denuncia; quem ouve, faz-se de surdo; quem fala, desmente depois. O medo mescla-se à covardia e vence o mais forte.

É preciso urgentemente derrubar essa cultura instituída, lutar pela ética financeira, enfrentar esses abismos sem se deixar cair. É para o surgimento e encorajamento desse sujeito que as palavras escritas neste artigo se fortalecem, em quem a escritora se espelha e se põe numa marcha investigativa; que se espera, nutra-se.

Diante de tantas demandas, o que financiar?

Considerando a necessidade vital de financiamento público destinado à Educação Pública brasileira e as discussões em torno da aprovação do Fundeb, é preciso destacar aqui algumas condições básicas para que se possa ter Educação com a garantia de destino correto da verba pública:

  • A primeira delas é garantir o acesso dos alunos à escola; aos que dependem de condução, que lhes sejam oferecidos transportes que obedeçam aos princípios determinados em Lei, oferecendo veículos equipados com todos os itens de segurança, próprios ao tipo de transporte a que se destinam, tendo como objetivo maior a segurança e o bem-estar do aluno. “Se o transporte escolar não é devidamente viabilizado, as crianças sequer chegam às escolas, perdendo dias preciosos de aula e convivência com seus pares”. (VOORWALD, 2013, p. 24);
  • Ao chegar à escola, esse aluno tem direito de ser recebido em um ambiente que lhe cause prazer, com sala de aula adequada em seu aspecto físico e respeito ao número de alunos; laboratórios de Química, Física e Biologia; biblioteca com acervo atualizado com a presença de uma bibliotecária; quadra coberta; espaço adequado para recreação e alimentação; itens de acessibilidade; além da presença de profissionais bem remunerados que não precisem de outra atividade remunerada para completar sua jornada diária de trabalho e seu orçamento mensal;
  • Durante os intervalos por período, os alunos devem contar com uma merenda escolar rica em nutrientes necessários ao seu desenvolvimento físico e mental, preparada por profissionais capacitados, abandonando a prática irregular de contratar empresas de fornecimento de merenda que oferecem apenas comodidade nas prestações de contas, esquecendo-se com isso da preocupação com a qualidade dos alimentos servidos;
  • Os currículos escolares devem ser elaborados depois de discutidos com toda a comunidade escolar, resultando em uma conscientização coletiva do tipo de sujeito que se quer formar, tendo compromisso com a história desse sujeito e seu despertar crítico diante do poder do Estado. Usando materiais didáticos que partam dessa conscientização, trazendo sentido ao aluno, para que não haja descarte indiscriminado deste material como existe hoje em alguns pontos do país;
  • Implantação de projetos e programas educacionais que correspondam às reais necessidades da comunidade escolar, consultando-a antes da implantação desses mecanismos os quais devem visar ao crescimento humano dessa comunidade;
  • Maior aproximação entre a gestão central das Secretarias de Educação e a comunidade escolar, encontrando meios que aproximem esses órgãos;
  • Inclusão do estudo e discussão do tema Financiamento Público Educacional entre alunos, professores e toda a comunidade escolar, para que deixe de ser um tema distante, árido e passe a ser um tema de abordagem cotidiana em todas as escolas, tendo como objetivo a formação de futuros líderes educacionais, conscientes da questão financeira em seus aspectos teóricos, históricos e técnicos, numa perspectiva crítica e criativa;
  • Maior investimento público financeiro na Educação Básica Pública para a construção de novas escolas que possam acomodar os alunos que ainda superlotam as salas de aula e dificultam o trabalho educacional; obras de manutenção e expansão escolar que realmente contemplem as reais necessidades da escola e melhores condições salariais para os profissionais da Educação Pública, para que possam se dedicar a jornadas de trabalho mais humanas e possíveis.

As condições aqui destacadas representam reflexões essenciais para entender a política voltada à Educação Básica Pública, diretamente relacionadas ao financiamento público.

Para que essas condições sejam plenamente garantidas, é necessário que haja o envolvimento dos sujeitos no processo educacional, participando e decidindo “sobre as políticas públicas a serem implantadas pelo Estado, tendo como objetivo tornar a sociedade mais justa”. (PEREIRA, 2012, p. 394)

Uma Educação Pública de todos para todos

A participação popular está condicionada à vontade do querer, envolver-se nas questões financeiras educacionais, fundamental para uma atuação mais pontual nas questões que envolvam o financiamento da Educação, valorizando a formação de Conselhos e Associações que realmente fiscalizem e tenham voz de decisão sobre os gastos educacionais e que briguem pela descentralização de verbas públicas destinadas a setores que exijam urgência de atitudes, para que a escola possa dar continuidade ao seu trabalho em tempo que não cause prejuízo em seus dias letivos.

Essa situação seria uma garantia de participação dos sujeitos tão importantes no processo educacional e uma luta por uma Política Pública de Estado para a Educação, em que a hegemonia dominante possa ser contestada pelos sujeitos educacionais plenamente inteirados das questões financeiras pertinentes, interferindo desde o seu plano orçamentário até seu gasto real com o aluno.

Ao Estado cabe, se de fato estiver compromissado com seu discurso para a Educação, rever o processo de burocratização, permitindo a existência de sujeitos capazes de contribuir de maneira consciente, crítica e atuante no processo educacional. Confiando a Educação a quem lhe é de direito e não nas mãos de alguns poucos que a têm como uso de poder ou para possíveis favorecimentos ilícitos.

Ao final deste artigo, a resposta à questão inicial, a qual se pautou no questionamento sobre a existência de corrupção na Educação Pública é clara e direta ao declarar ser este um enfrentamento impossível de ser descartado, é preciso perseguir os expedientes oneradores financeiros que muito já corroeram a possibilidade de qualidade digna de Educação a esses pequenos brasileiros.

Se a relação entre financiamento público e qualidade educacional persistir como se encontra e não for assumida e discutida criticamente pelos Educadores, entendida e levada a sério, considerando os aspectos políticos voltados à Educação, desencadear-se-á de forma mais brutal uma relação que já está fragilizada, entregue aos mandos e desmandos de uma política de Governo, onde o mais importante é o crescimento econômico do Estado.

Assim, corre-se o risco de ser endossado um possível discurso oficial, pautado no controle centralizado das verbas públicas educacionais, deixando claro seu interesse econômico com a possível declaração de que os gestores não sabem o que fazem.

Pensando nessas possibilidades, registro aqui duas premissas, que devem ladear o tema Financiamento da Educação Pública:

  • Financiamento Público para quem?
  • Quem são os financiados?

O Primeiro; por não se ter claro a quem objetivou tantos recursos.

O segundo; por considerar um universo de financiados obscuros. Tantos sujeitos se fizeram presentes, mas distantes do sujeito aluno.

A finalidade dessas duas questões é fundamental para entender a qualidade de Educação que buscamos e a qualidade em que se encontra.

Um financiamento público educacional voltado ao sujeito aluno, têm-no como o sujeito financiado. Abre a possibilidade de uma educação chamada por Paulo Freire de “problematizadora”, que se difere da “bancária” por não aceitar “um presente “bem-comportado”, não aceita igualmente um futuro pré-dado, enraizando-se no presente dinâmico, se faz revolucionária” (FREIRE, 1987, p. 42).

É somente esta, a Educação pensada, neste momento, capaz de reverter a política educacional. Mas será ela capaz de combater o imobilismo que se instalou entre o poder dominante e os financiados e erguer uma bandeira revolucionária de discussão sobre o tema aqui proposto e sua responsabilidade com a Educação Básica Pública, vista como um ato político?

Referências

BOCCHI, R. Há corrupção na Educação? Relatos daqueles que vivem essa realidade no chão da Escola Pública brasileira. Curitiba: Appris, 2019.

DOWBOR, Ladislau. A era do capital improdutivo. São Paulo: Autonomia Literária, 2017.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1987.

PEREIRA, J.M. Finanças públicas: Foco na política fiscal, no planejamento e orçamento público. São Paulo: Atlas, 2012.

VOORWALD, H. Políticas públicas e educação: diálogo e compromisso. São Paulo: SEE, 2013.

[1] Acesso em: https://robertabocchi.com.br/livro-ha-corrupcao-na-educacao/

[2] Acesso em: O financiamento público do Estado de São Paulo para a Educação Publica Básica Estadual: os desafios das controvérsias.

[3] Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb é um fundo especial, de natureza contábil e de âmbito estadual (um fundo por estado e Distrito Federal, num total de vinte e sete fundos), formado, na quase totalidade, por recursos provenientes dos impostos e transferências dos estados, Distrito Federal e municípios, vinculados à educação por força do disposto no art. 212 da Constituição Federal.

[4] Disponível em clicando aqui!

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