A boa gestão do tempo é algo que se aprende ou é inato ao ser humano? Como se pode medir o tempo? Uma hora é algo invisível. Como realmente percebemos o tempo e como ousamos quantificá-lo?
Na mitologia grega o tempo é classificado em dois momentos por simbolismos diferenciados: o tempo físico e o tempo social. O tempo físico é indicado como aquele que se inicia sob o domínio do ser divino chamado Chrónos e determina o ritmo e a contagem do tempo que guia o mundo em dias, horas e minutos. Quanto ao tempo social, refere-se a outro ser divino de nome Kairós, que é indicado como o tempo vivido pelos homens, nem sempre coincidente com o tempo cronológico.
Ocorre que durante a evolução humana na terra, o homem apoderou-se dos processos de medição do tempo, se entregando a Chrónos e tornando-se prisioneiro desse tempo contado cronologicamente. Mas e Kairós, onde foi parar? Não seria esse o nosso tempo ideal? Ou será o equilíbrio entre Chrónos e Kairós que devemos buscar?
Em alguns momentos históricos a humanidade se deixou levar por tempos determinados por motivos externos a sua existência plena. O tempo do capitalismo industrial por exemplo, era um tempo contínuo, linear, sempre repetindo o mesmo processo. A memória era corporal. Já o tempo atual, chamado por alguns autores de “tempo do capitalismo cognitivo” é um tempo descontínuo, assinalado pela invenção e por rupturas marcadas pela cadência das inovações e pela irrupção dos acontecimentos.
O tempo dos bits exatos
Grande parte da humanidade já convive com o tempo dos bits exatos, como forma de expressão do dinheiro, das identificações, da escrita, do celular, da internet, da TV digital, das redes sociais e da explosão das fronteiras, que antes eram vistas como obstáculos, mas agora, são entendidas apenas como linhas digitais. Parece que o próprio avanço científico-tecnológico leva a humanidade a navegar, surfar, flutuar.
Vivemos hoje na chamada pelo sociólogo Zygmunt Bauman de modernidade liquida, onde a mudança é a única coisa permanente e a dúvida é a única certeza. Os relacionamentos escorrem por entre os dedos e “o ritmo incessante das transformações gera angústias e incertezas e dá lugar a uma nova lógica, pautada pelo individualismo e pelo consumo” (BAUMAN, 2007).
Refletir sobre esses tempos e como eles se configuram hoje, em um recorte de tempo inconcebível por milhares de pensadores e filósofos que no passado se dedicaram a pensar o tempo, é nosso foco nesse texto de hoje. Se conciliar Chrónos e Kairós em tempos de certa normalidade já era difícil, imagine agora em tempos de isolamento social. Que tempos são esses? O que entendemos hoje sobre gestão do tempo?
A ciência explicando o tempo
Durante toda a modernidade e agora, na pós-modernidade, as ciências tomaram forma e robustez, dando respostas à várias inquietudes da humanidade. Essas ciências evoluíram e deram espaço para o surgimento de uma ciência inovadora, intitulada de neurociência, capaz de explicar como nosso cérebro entende e se comporta nas mais variadas situações da vida, inclusive no tempo.
Entender o tempo, como ele se configura e como nosso cérebro o apreende é uma das principais buscas para os que pretendem escrever sobre a gestão do tempo hoje. Mas erra aquele que entender ser possível descartar os conhecimentos sobre o tempo acumulados e começar tudo do zero. O tempo é dinâmico, não sei se ele nos persegue ou se o perseguimos, só sei que de alguma forma ele está presente e esteve presente desde o início de tudo e de todos, logo, o conhecimento acumulado sobre ele é fundamental.
Considerando os estudos ao longo da história e as recentes descobertas da neurociência, partimos para o entendimento de algumas funções cerebrais que podem contribuir para clarear algumas questões até aqui lançadas.
Nosso corpo mantém ativo um cronômetro, o ciclo circadiano, que pode ser aqui chamado de relógio biológico/neural. O cérebro humano organiza o tempo externo a partir da forma como esse relógio está sincronizado. O que delimita o tempo para o cérebro não são apenas os medidores exatos como os segundos, os minutos ou as horas, mas também os fenômenos naturais ou não aos quais o relógio neural está sincronizado. Entre os processos externos podemos citar a incidência de luz natural, a luminosidade, que auxilia o organismo a se adaptar ao ritmo do dia e da noite.
Outros relógios biológicos estão presentes no cérebro em forma de circuitos, com células especializadas na região do hipocampo que enviam sinais em sequência que cronometram várias atividades diárias importantes, como os tempos musicais, os tempos de um diálogo, as atividades físicas ou a realização de procedimentos bem mais delicados, como no caso de uma cirurgia. Um complexo padrão neural de tempo permite que algumas células específicas disparem sinais marcadores do tempo de forma mais rápida ou mais devagar, dependendo do intervalo necessário para uma determinada atividade. Outras regiões e funções presentes no sistema nervoso central também estão envolvidas na organização interna do tempo, como o córtex frontal dorsomedial, o núcleo caudado e o tálamo, além da função organizadora e otimizadora do cerebelo e da cadência de liberação de alguns neurotransmissores e hormônios.
Tudo é muito complexo e ao mesmo tempo fluido, porém, facilmente passível de interferências internas e externas, que darão o tom do tempo vivido ou imaginado. E isso dependerá de como cada indivíduo organiza seu tempo em função das suas necessidades, possibilidades e emoções.
O que é mais importante para você?
Esta pergunta é fundamental para a organização da sua existência na terra, dos seus dias e das suas horas de vida. Nosso cérebro escaneia de forma inconsciente o ambiente externo o tempo todo e identifica os estímulos agradáveis, os desagradáveis, os nocivos, os prazerosos e os indiferentes, direcionando nossa atenção de forma inconsciente durante todo momento. Mas há ocasiões em que precisamos direcionar intencionalmente nosso foco de atenção para uma atividade de necessidade naquele momento, mesmo que a vontade seja outra, precisamos em alguns períodos terminar uma atividade de trabalho não tão agradável, uma tarefa escolar esgotante ou ainda enfrentar uma situação que na verdade queríamos estar bem distante. Como fazer? Como organizar todas as atividades consideradas importantes em apenas 24 horas?
Será preciso planejar, manter o foco e não procrastinar. Essas atitudes estão diretamente relacionadas com o desenvolvimento e fortalecimento das funções executivas cerebrais.
O termo Funções Executivas tem sua origem nos estudos desenvolvidos pela Neuropsicologia e “caracterizam-se por um conjunto de processos cognitivos que envolvem o controle consciente do pensamento, do comportamento e da afetividade, como a memória operacional, o controle atencional, o controle inibitório e a tomada de decisões” (Stelzer, Cervigni, & Martino, 2010). Seu pleno desenvolvimento depende de estímulo adequado e treino. Isso significa que, como uma boa gestão do tempo exige no mínimo um bom planejamento e este último é uma das funções executivas cerebrais que são aprendidas durante a vida, a gestão do tempo não é algo inato e sim adquirido.
O cérebro é organizado em regiões e funções, que se conectam em resposta aos estímulos internos e externos. Essas regiões são formadas durante a gestação, mas há uma região específica do cérebro que continua seu desenvolvimento até em média os vinte e cinco anos de idade, é a chamada de córtex pré-frontal.
Essa região depende de estimulação externa para se fortalecer e está relacionada diretamente, entre outras atividades, com a gestão do tempo de cada indivíduo. Ela é acionada quando precisamos dar respostas mais elaboradas a situações diárias que não podem ser respondidas automaticamente.
Dividem-se em:
– Funções Executivas básicas
- Memória de trabalho: memória de curto prazo, que utilizamos para significar a linguagem e informações rápidas, de uso momentâneo;
- Controle inibitório: aquisição do autocontrole, foco, atenção;
- Flexibilidade cognitiva: capacidade de modificar um planejamento, um pensamento diante de novos estímulos ambientais. Está relacionada com a criatividade.
– Funções Executivas complexas
- Planejamento: capacidade de organização das ações e pensamentos do momento e do futuro, organização da própria vida;
- Resolução de problemas: envolve as funções anteriores e se lança ao pensar organizado, impulsionando novas conexões neurais e evocação da memória;
- Raciocínio: metacognição – o pensar sobre o pensar.
O estímulo adequado dessas funções tem impacto direto no estilo de vida de cada pessoa, incidindo, entre outras coisas, na forma como se faz a gestão do tempo de cada indivíduo.
O valor que você atribui a cada atividade do dia dará o tom e o ritmo certo para a sua realização. Se sua mente entender que a ação trará algum benefício futuro para sua existência a curto, médio ou longo prazo, a atividade ganhará peso diferente e poderá ser executada em tempo e com sucesso. Tudo dependerá da importância que a atividade representa para o seu cérebro. Por isso, organize seu dia listando as prioridades, de forma que se o tempo não for suficiente ou se algo der errado, você possa optar entre as prioridades e filtrá-las de forma que realmente façam sentido para sua mente.
Dicas para a gestão do tempo na quarentena
Algumas atitudes diárias podem auxiliar nesse quebra cabeça de ritmos e emoções que conduzem a sua vida, tornando-a mais adequada ao seu tempo e espaço, que agora se reduziu ao tempo de quarentena, situação inédita e de certa forma tensa.
A boa notícia é que seu cérebro é plástico e tem a capacidade de se adaptar ao ambiente externo e aos recursos disponíveis nele, procurando boas fontes de energia e estímulos saudáveis. Mas será preciso estabelecer um hábito dentro desse novo tempo e espaço que se apresenta e para isso, algumas dicas podem ser úteis:
- Crie uma rotina diária: mesmo estando distante socialmente e se mantendo dentro de casa, é preciso enviar sinais para o cérebro de um ritmo de vida possível e saudável. Procure levantar nos mesmos horários todos os dias, reservar um tempo para as primeiras atividades do dia, trocar de roupa e evitar ficar de pijama o dia todo. É necessário planejar as atividades do dia de modo significativo, como um marcador de atividades que delimita bem os períodos do dia e da noite, para que sua mente possa se preparar para o despertar, o entardecer, a noite e o momento de dormir;
- Home office: para os que estão trabalhando em casa é muito importante estabelecer um ritmo diário que contemple um espaço físico adequado para o tipo de trabalho, horários bem definidos, sossego e foco. A ideia de andar com o computador pela casa pulando da cama para a cozinha ou por outros espaços da casa envia para o cérebro uma ideia confusa, onde os afazeres da casa se confundem com o do trabalho. Além disso, é muito importante ter um cantinho específico para colocar papeis, lembretes, agendas e a segurança de que ninguém bagunçará tudo quando você virar as costas. Lembre-se também de planejar o horário de início do trabalho, do almoço e do término. Não é porque você está trabalhando em casa que precisa ficar ligado 24 horas por dia no trabalho;
- Conte com os imprevistos: talvez o telefone toque em hora inadequada, e-mails cheguem em número maior do que o esperado, alguém toque a campainha, os familiares resolvam bater um papo longo com você ou algum grupo do WhatsApp resolva começar uma conversa daquelas que não levam a lugar nenhum e se você tentar agendar seus afazeres sem nenhum respiro entre eles, estará sempre atrasado e correndo atrás do tempo, o que não deixará espaço na sua mente para um momento de lucidez. Por isso, é necessário prever brechas, pequenos espaços, para as interrupções que fatalmente ocorrerão no planejamento de suas atividades em casa;
- Aprenda a dizer não: o isolamento social é um ótimo momento para esse exercício. Perceba que você não pode atender cada ligação ou mensagem do dia com a mesma atenção imediata, será preciso planejar quais são as prioridades e se desligar por algum tempo do celular para conseguir focar naquela atividade escolhida como a mais importante do dia. Não vá cair na emboscada de reagir a cada solicitação. Se não precisa de uma resposta sua imediata, não se disponha;
- Delimite prazos para você mesmo: para evitar que uma tarefa fique se arrastando e você já não suporte mais trabalhar nela, tente definir um prazo para terminá-la. Quando você define prazos possíveis e se organiza para cumpri-los, as distrações que podem boicotar a tarefa são evitadas. Tente agendar os prazos no seu calendário ou no seu gerenciador de tarefas;
- Marque uma hora para a informação: escolha um momento do dia para se informar sobre as últimas notícias da pandemia, evite ficar ligado o dia todo nesse assunto. Se informar é fundamental nesse momento, mas não precisa bombardear seu cérebro com informações que o levarão a entender equivocadamente que o fim da espécie humana está próximo e que o mais importante é direcionar forças apenas para questões de sobrevivência. Evite essa situação, ela trará ansiedade em excesso e poderá ocasionar consequências desastrosas para o seu corpo e mente.
Lembre-se que a pessoa mais importante do seu dia é você. Não interessa quais atividades você irá desenvolver no dia, com quem você se encontrará ou se ficará sozinho, se você não estiver bem com você nada dará certo. Você, você, você, isso mesmo, a palavra chave do dia é essa. Por isso, escolha uma roupa legal que esteja de acordo com o clima e com as atividades que serão desenvolvidas, respire fundo e mergulhe na aventura de mais um dia na vida. Estar vivo é a maior vitória do dia, o resto, você corre atrás com paciência, inteligência, escuta atenta e reflexão detalhada.
Tudo passa, o bom e o ruim, sempre passa, o que fica é memória e aprendizado
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Roberta Bocchi
Atualmente é pesquisadora e estudiosa da área de Neurociência aplicada à Educação pela Faculdade de Ciências Medicas da Santa Casa de São Paulo. Trabalha como Supervisora de Ensino efetiva da Rede de Educação Básica do Estado de São Paulo, onde também desenvolve pesquisas na área de Financiamento Público Educacional, Gestão Escolar e Currículo.
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