Você sabia que esse reconhecimento corre perigo?
Em época de distanciamento social o celular acaba sendo nosso maior companheiro. Ele permite o mínimo possível de contato social, atividade fundamental para a vida saudável de uma sociedade.
Mas afinal, se permanecermos durante muito tempo nessa condição de isolamento, como se configurará nossa mente?
Uma das primeiras atividades cerebrais que talvez comece a ter prejuízo, é a capacidade que nossa mente adquiriu, durante milhões de anos, de se colocar no lugar do outro. A chamada Teoria da Mente é uma das características sociais do ser humano e consiste na capacidade de compreender os estados mentais dos outros e de si mesmo. E para isso é necessário o olho no olho, o contato presencial.
O nosso cérebro reconhece as emoções do outro
Durante uma conversa olho no olho, inconscientemente alguns grupos celulares cerebrais recebem os sinais captados pelos órgãos dos sentidos, que são retransmitidos para regiões cerebrais responsáveis pelas emoções e ali avaliados pelo seu conteúdo. Ao final, esses sinais nervosos são enviados ao córtex pré-frontal, que após uma síntese do conteúdo pode utilizá-lo para uma possível tomada de decisão, no mesmo momento ou em momento posterior. Pode também haver a ativação de nossos neurônios espelho, proporcionando a reprodução do movimento realizado pela outra pessoa.
Todo esse processo é demorado e depende da maturação do sistema nervoso central de cada pessoa, logo, a estimulação constante e a prática social são fatores fundamentais para seu desenvolvimento e fortalecimento. Já se sabe que há um impacto grande do tipo de ambiente social em que vive a criança para o pleno desenvolvimento da teoria da mente, quanto mais rico de interações sociais diversas, maior seu potencial.
O potencial efeito das mídias eletrônicas sobre a teoria da mente
Atualmente as crianças têm acesso a aparelhos eletrônicos cada vez mais cedo e agora, com a situação de distanciamento social, parece que esses aparelhos se tornaram a “salvação” do entretenimento e da solidão humana. Será que a capacidade de leitura mental das emoções e sentimentos do outro e de si mesmo ou a capacidade de se colocar no lugar do outro estão diminuindo?
Creio que há um alerta, principalmente entre as crianças, que ainda estão em processo de desenvolvimento da teoria da mente, pois uma ruptura poderia representar uma perda que só avaliaremos de quanto, daqui há algum tempo.
A primeira consequência para a teoria da mente de horas diante de uma tela de celular ou outro aparelho eletrônico é a perda da introspecção, do uso da solidão e do ócio para uma reflexão atenta de si mesmo. Se cada momento em que nos vemos sem “nada para fazer” nos entregarmos por exemplo ao celular e ficarmos navegando sem destino certo, estaremos na verdade privando nosso cérebro de um momento que poderia resultar em introspecção saudável e necessária para a mente. Teoricamente, a medida que nossa capacidade de introspecção diminui, perdemos também a capacidade de inferir os estados mentais das pessoas que nos rodeiam.
Qual será nosso futuro?
O uso das tecnologias digitais é algo recente em nossa história e seus efeitos na sociedade ainda estão sendo estudados, mas o cenário já se mostra preocupante.
Pensar na vida em sociedade onde haja prejuízo da capacidade de perceber o outro, seus sentimentos e emoções e de se reconhecer enquanto ser social, é no mínimo inquietante. E é assim que deve ser, inquietante.
Não custa nada dar uma ajudinha para a construção de um cenário menos nocivo, basta começar a restringir o uso indiscriminado de aparelhos eletrônicos e incentivar atividades que promovam o olho no olho, o diálogo no tempo humano, com as pausas naturais, olhares que falam e gestos intrigantes, provocantes de reflexões e escutas atentas.
São esses momentos que além de serem saudáveis para a mente humana, se transformarão em memórias afetivas de longa duração e na tão falada empatia, fundamental para a sobrevivência da espécie humana na terra.
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Roberta Bocchi
Atualmente é pesquisadora e estudiosa da área de Neurociência aplicada à Educação pela Faculdade de Ciências Medicas da Santa Casa de São Paulo. Trabalha como Supervisora de Ensino efetiva da Rede de Educação Básica do Estado de São Paulo, onde também desenvolve pesquisas na área de Financiamento Público Educacional, Gestão Escolar e Currículo.
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