O Financiamento Público Educacional constitui um espaço de luta pelo poder, onde a parte mais fraca é aquela que se cala, a dos financiados. No atual cenário brasileiro de recessão financeira anunciada, é urgente uma reflexão sobre as questões que envolvem esse tema, do contrário, corremos o risco de perder recursos financeiros que, até então, após um histórico de luta, esteve presente no orçamento público das diversas esferas governamentais.
Nesse contexto, aprofunda-se aqui essa discussão, levantando-se alguns aspectos históricos, orçamentários e educacionais. Busca-se caracterizar o tema Financiamento Público Educacional como um dos principais pilares de sustentação para uma educação pública capaz de combater o imobilismo que se instalou entre o poder dominante e os financiados e erguer uma bandeira revolucionária de discussão sobre o tema aqui proposto e sua responsabilidade com a Educação Básica Pública, vista como um ato político.
A sociedade brasileira está hoje marcada por perdas de direitos humanos há tanto tempo conquistados; crises financeiras anunciadas em tom de catástrofe; discursos políticos polarizados por uma população sem paciência e tempo para a reflexão, impulsionados por políticos amedrontados pelo fantasma de esquemas de corrupção sendo desvendados por uma nova elite jurídica, que, até então, estava entregue ao quase adormecimento.
Diante desse cenário, onde “[…] as práticas e os discursos ideológicos dominantes influenciam nossa visão da realidade” (DENZIN; LINCOLN, 2006, p.285), o tema financiamento público educacional corre o risco de tornar-se ostentação, diante do discurso dominante de falência do Estado. Fato que caracteriza o mais perverso dos cenários para a Educação Pública Brasileira, pois, sem financiamento, não se faz Educação. O financiamento deve estar para a Educação da mesma forma que a água deve estar para a vida humana; uma condição essencial de sobrevivência.
Desponta uma sociedade que parece estar a cada dia mais desvalida financeira, cultural e politicamente. Discutir, nesse momento, o aumento ou mesmo a manutenção da vinculação de recursos públicos para uma determinada área orçamentária do Estado pode representar algum tipo de privilégio ostentador. Logo, pode transformar-se em um escândalo estampado nas manchetes sensacionalistas dos diversos meios de comunicação da nova mídia nacional.
Quando o povo, varrido por uma nuvem de desgraças sociais, começa a perder seus direitos básicos, perde, também, a sua liberdade de pensamento e reflexão. “[…] existe uma diferença entre ser ‘livre de’ e ser ‘livre para’. Se você não for livre da fome, da falta de abrigo, da falta de socorro médico, você não é livre para outras escolhas” (CORTELLA, 2016, p. 22, grifos do autor).
Embora a Educação faça parte dos direitos básicos de uma sociedade, quando o desemprego, a fome e a miséria assolam uma parcela grande da população, há um alerta geral de sobrevivência que soa nos ouvidos estressados de toda a sociedade, deixando temas como a Educação à margem das discussões. Fato que só contribui para o aumento da crise instalada, pois não há espaço para reflexão coletiva sobre a situação. Poucos iluminados passam a pensar e agir em nome de muitos.
A garantia de financiamento público educacional há muito representa uma luta da sociedade brasileira. Historicamente, as discussões que envolvem esse tema passaram a fazer parte dos debates acadêmicos, políticos e populares com mais percepção e pressão quando a questão da vinculação de recursos públicos para a educação passou a ser discutida.
Estudos publicados por Oliveira (2007) evidenciam uma grande dificuldade na vinculação de recursos para a Educação. Em alguns momentos históricos, nenhuma esfera do governo comprometeu-se com o tema. Já, em outros, poucas esferas comprometeram-se sozinhas, tornando o financiamento educacional deficitário. A União é a que menos se comprometeu com a vinculação de recursos.
Os recursos destinados à Educação são determinados legalmente e estão expressos no Artigo 68 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 9.394/96(BRASIL, 1996), sendo originários da receita de impostos próprios da União, Estados, Distrito Federal e dos Municípios; transferências constitucionais e outras transferências; salário-educação e contribuições sociais; incentivos fiscais além de outros recursos previstos em Lei.
Para conferir se a União, os Estados e os Municípios têm aplicado, na Educação Pública, o percentual previsto em lei, uma das alternativas é uma busca nos diversos Portais governamentais de Transparência disponíveis online e abertos à consulta pública. No caso da União, uma consulta ao Portal da Transparência da Controladoria Geral da União (CGU)2 pode ser uma alternativa válida. Considerando que este texto tem como premissa as questões orçamentárias federais relacionadas à Educação, atentar-nos-emos aos números da União.
Em consulta ao Portal da Transparência da CGU, na área educacional – execução orçamentária – tomando como base o intervalo temporal de 2004 a 2014, os números ficam mais evidentes nos anos de 2009, 2013 e 2014. Nos outros anos, a linguagem orçamentária utilizada torna difícil uma consulta detalhada quanto à execução orçamentária anual. A mesma consulta realizada no portal do Ministério da Educação torna ainda mais difícil a busca por dados orçamentários anuais. Eles são disponibilizados de forma fragmentada, não demonstrando a execução orçamentária total por ano.
Essa procura cansativa e, por vezes, sem sucesso por dados orçamentários federais da área educacional, evidencia a existência de uma maquiagem numérica instalada, que resulta em dificuldade de leitura dos documentos oficiais em geral e, principalmente, a dos orçamentários, pois a linguagem utilizada é própria da área contábil pública, que a maioria da população desconhece. “O governo consegue ser transparente em relação à execução do orçamento, sem o ser”(EDNIR; BASSI, 2009, p. 153). Uma nova busca, desta vez no Portal do Senado Federal, parece ter tido mais sucesso. Há um Boletim Legislativo nº 26 que demonstra as despesas em Educação no período de 2004 a 2014, assinado pelo então consultor legislativo do Senado, Sr. Marcos Mendes, o qual afirma que as despesas federais com a Educação Pública quase quadriplicaram no período de 2004 a 2014 (MENDES, 2015).
O Boletim demonstra uma evolução anual considerável de despesas para a área educacional, porém bem abaixo dos 10% do PIB previstos no PNE. Ainda no mesmo documento, o autor salienta o fato de a União ter, no período pesquisado, ultrapassado por vários anos o montante mínimo de despesa obrigatório em Educação. “Somente nos três últimos anos da série (2012-2014) a União gastou R$ 43,1 bilhões acima do limite mínimo (uma média de R$ 14,4 bilhões a mais por ano) […]”(MENDES, 2015, p.2).
Ao analisar a evidência de aumento gradativo anual de despesas no período pesquisado, com gastos acima do limite imposto por lei, combinada à publicação da Emenda Constitucional nº 95, que resulta na estagnação dos investimentos públicos em Educação, confirma-se o pior cenário financeiro para a Educação Pública Brasileira, o de recessão educacional, ou seja, retração geral da atividade de aquisição de conhecimento. Em uma recessão econômica, cortam-se gastos; em uma recessão educacional, corta-se a possibilidade de formarem-se sujeitos, entendendo este último como alguém capaz de refletir e interferir sobre o perigo de uma educação entregue a “bem e serviço mercantis, sujeita às leis de mercado, ou eufemisticamente, quase-mercado” (CHIZZOTTI, 2012, p. 447).
Na atual Nação Democrática Brasileira, cada vez mais entregue ao marketing político, talvez se deva analisar e refletir sobre se há interesse do Estado em discutir publicamente o tema e mesmo em financiar plenamente a Educação Pública nesse momento. “Essa tendência da opinião pública, que leva todos a adular os idiotas, faz da democracia um simples regime de mercado” (PONDÉ, 2016, p.133).
Uma democracia enfraquecida, uma escola pública empobrecida financeiramente e, por consequência, prejudicada em sua capacidade de produção do conhecimento, é cenário propício para o surgimento de uma sociedade alienada, que se inclina a comprar opiniões marqueteiras que se apresentam como uma “[…] falsa consciência que distorce o quadro que temos da realidade social e serve aos interesses da classe dominante de uma sociedade” (APPLE, 2006, p. 53)
Como se todo esse turbilhão social e econômico não bastasse, há, ainda, no cenário nacional, o aparecimento de escândalos de corrupção financeira, que, segundo as últimas investigações realizadas e conduzidas por membros da mais conspícua magistratura nacional, parece ter devorado uma parte considerável de recursos financeiros que poderiam ter sido previstos e executados no Orçamento Público de todas as esferas governamentais.
Percebe-se que, mesmo havendo fiscalização de gastos, com a obrigatoriedade de prestações de contas oficiais, sujeitas à aprovação ou não de órgãos centrais que apenas conferem papéis oficiais juntados em uma determinada ordem, há uma rede invisível instituída que suga o orçamento público e se favorece dele, instituindo uma “Cultura do abafa” (BOCCHI, 2015, p. 128).
Se a relação entre financiamento público e educação persistir como se encontra e não for assumida e discutida criticamente pelos educadores, entendida e levada a sério, considerando os aspectos políticos voltados à Educação, desencadear-se-á, de forma mais brutal, uma relação que já está fragilizada, entregue aos mandos e aos desmandos de uma política de Governo, onde o mais importante é o crescimento econômico do Estado.
Referências
APPLE, M. W. Ideologia e currículo. Porto Alegre: Artmed, 2006.
BOCCHI, R. M. B. O financiamento público do Estado de São Paulo para a Educação Básica pública estadual: os desafios das controvérsias (Gestão 2008-2012). 2015. 261 f. Tese (Doutorado em Educação: Currículo) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2015.
BRASIL. Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Seção 1, n. 248, p. 27833-27841.
CHIZZOTTI, A. Currículo por competências:ascensão de um novo paradigma curricular. Educação e Filosofia, Uberlândia, v. 26, n. 52, p. 429-448, jul./dez. 2012.
CORTELLA, M. S. Por que fazemos o que fazemos?: aflições vitais sobre trabalho, carreira e realização. São Paulo: Planeta, 2016.
DENZIN, N. K.; LINCOLN, S. L. O planejamento da pesquisa qualitativa:teorias e abordagens. Porto Alegre: Artmed, 2006.
EDNIR, M.; BASSI, M. E. Bicho de sete cabeças:para entender o financiamento da educação brasileira. São Paulo: Peirópolis: Ação Educativa, 2009.
MENDES, M. J. A despesa federal em Educação: 2004-2014. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, abril/2015 (Boletim Legislativo nº 26, de 2015). Disponível em: <www.senado.leg.br/estudos>. Acesso em: 10 maio 2017.
PONDÉ, L. F. Filosofia para corajosos. São Paulo: Planeta, 2016.
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Roberta Bocchi
Atualmente é pesquisadora e estudiosa da área de Neurociência aplicada à Educação pela Faculdade de Ciências Medicas da Santa Casa de São Paulo. Trabalha como Supervisora de Ensino efetiva da Rede de Educação Básica do Estado de São Paulo, onde também desenvolve pesquisas na área de Financiamento Público Educacional, Gestão Escolar e Currículo.
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