Você pode ouvir o artigo. Aperte o Play!

 

Eric Richard Kandel, neurocientista austríaco, prêmio Nobel de Medicina em 2000 por descobertas envolvendo a transmissão de sinais entre células nervosas no cérebro humano, citando os estudos de David Premack e Guy Woodruff de 1978, salientou em seu último livro intitulado “Mentes Diferentes”[1], que cada um de nós consegue perceber que as outras pessoas têm uma mente própria, que possuem suas próprias crenças, aspirações, desejos e intenções. Essa capacidade é chamada de “Teoria da Mente”.

Essa aptidão de percepção dos estados mentais do outro é inata e se difere de uma emoção declarada e especifica compartilhada entre as pessoas, como quando você franze a testa de dor quando na verdade é o outro que está sentindo a dor. Perceber que a pessoa observada está pensando em algo diferente do que você está pensando é uma habilidade bem mais elaborada, que envolve um grau de desenvolvimento do cérebro social.

Essa capacidade cerebral é essencial para a sobrevivência em sociedade, por permitir prever com uma margem considerável de acerto o comportamento do outro, facilitando com isso a interação social e a aprendizagem. Mas para isso, é preciso que a habilidade de manter o foco, a atenção, a escuta atenta e a capacidade de descartar as várias distrações seja cada vez mais incentivada.

A capacidade de interpretar cenários

Vamos exercitar um pouco nosso cérebro e observar por um tempo a obra “ A última Ceia” do pintor renascentista Leonardo da Vinci (1452-1519). Nela o artista retratou a última ceia de Jesus Cristo ao lado de seus apóstolos antes de sua crucificação.

Após minutos de observação algumas questões surgem em nossa mente: Será que Jesus Cristo estava alheio ao movimento aparentemente agitado de todos? Quem se comunica com quem? Quais os que se mostram curiosos, assustados ou mais próximos? Em quem você confiaria se estivesse presente?

Talvez o conhecimento da história que segue após esse registro nos influencie na interpretação da obra. Mas o fato é que ao observar cuidadosamente a expressão dos rostos, os movimentos corporais, olhares e demais detalhes da obra, nosso cérebro inicia um processo de interpretação dos sinais observados com o objetivo de formular uma teoria da mente. É dessa mesma maneira que procedemos diante de alguém na vida real, observamos os olhares em comparação com as falas, gestos, movimentos corporais e tentamos explicar e prever o comportamento seguinte da outra pessoa. Uma rede composta por regiões e circuitos cerebrais interconectados é acionada para processar as informações sociais observadas.

Dito isso, é fácil concluir que para o pleno desenvolvimento do cérebro social é preciso estar com o outro. Somos seres sociais por natureza e dependemos dessa interação para nossa sobrevivência na terra. Porém, é preciso cuidado para não observar o outro dentro de uma visão limitada de mundo, na tentativa de “encaixar” o perfil analisado em estereótipos limitados e pré-determinados.

O perigo de escolher o atalho

Quando o cérebro é limitado por uma visão apequenada da realidade, marcado por determinismos baseados no senso comum que tendem a classificar precocemente as pessoas de acordo com sua condição de vida, ações diárias, classes sociais e demais acontecimentos cotidianos, o desenvolvimento do cérebro social é prejudicado e tende a interpretar a sociedade e as pessoas por uma via menor e mais rápida, como um atalho mental formado por observações falhas e carregadas de emoções daquele que observa, se distanciando do fenômeno real observado.

Ampliar o entendimento de mundo, conhecer outras realidades sociais, acolher o diferente e conviver na diversidade, são condições fundamentais para ampliar o reconhecimento de padrões humanos e sociais, ativando novas conexões cerebrais a favor da empatia e do bom convívio social.

Que tal pensar em tudo isso da próxima vez que conhecer alguém que pensa ou age diferente de você?

[1] KANDEL, E. R. Mentes diferentes: o que os cérebros incomuns revelam sobre nós. São Paulo: Manole, 2020.