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Neste ano de 2021, especificamente no mês de setembro, celebramos o centenário e o legado de um dos maiores educadores brasileiros, Paulo Freire.

Dessa forma, republico um artigo que escrevi em sua homenagem, mas como sempre, se tratando de Paulo Freire, plenamente atual.

De início, cabe-me questionar se estaria Paulo Freire, com seus saberes democraticamente revelados, ratificando o surgimento de uma nova ciência, que viria auxiliar o entendimento da Educação como um fenômeno físico, próprio ao ser humano? É no encéfalo humano que descobrimos novos conhecimentos, que produzimos a notável individualidade dos pensamentos, sentimentos e ações humanas.

Entre tantos “saberes” abordados, o sempre visionário educador afirmava:

[…] ensinar e aprender se vão dando de tal maneira que quem ensina aprende, de um lado, porque reconhece um conhecimento antes aprendido e, de outro, porque observando a maneira como a curiosidade do aluno aprendiz trabalha […] o ensinante se ajuda a descobrir incertezas, acertos, equívocos. (FREIRE, 1993, p.27)

Esta escrita revela a possibilidade de uma aprendizagem constante, sem barreiras sociais ou hierárquicas, apenas se valendo da capacidade cognitiva de cada sujeito, quando liberto das amarras impostas por uma sociedade com tendência autoritária ou extremamente licenciosa.

Ao abrir a possibilidade de aprendizagem para todos, que tem início com o respeito aos saberes próprios de cada região ou realidade do educando, Paulo Freire anuncia o que alguns anos depois seria um conceito básico sobre a cognição humana trabalhado na Neurociência; o de que toda aprendizagem e todo comportamento é resultado da função encefálica do sujeito, ou seja, todos os sujeitos em todos os momentos estão aprendendo e manifestando externamente essa aprendizagem.

A área científica denominada de Neurociência é relativamente nova, teve um grande impulso com os estudos de neuroimagem funcional humana da cognição, combinados com as principais descobertas da anatomia nos últimos 25 anos, que contribuíram significativamente para as descobertas recentes sobre as conexões complexas existentes no cérebro humano, envolvidas na maior parte do tempo, com a cognição.

O ato de aprender é entendido na Neurociência como um movimento em espiral, “[…] refere-se a uma mudança no comportamento que resulta da aquisição de conhecimento acerca do mundo, e a memória é o processo pelo qual esse conhecimento é codificado, armazenado e posteriormente evocado” (KANDEL, 2018, p.1256).

Quando o sujeito recebe uma informação nova, ela é comparada aos padrões encefálicos já existentes e se tiver significado, formará nova conexão neural, novas possibilidades de combinações desses padrões. É então armazenada na memória e pode ser acessada quando necessário. Ao acessar essas memórias e combinar novamente, ampliamos o entendimento, ampliamos a aprendizagem de um padrão já existente.

Para Paulo Freire o ato de aprender ocorre de forma similar, “ao ser produzido, o conhecimento novo supera outro que antes foi novo e se fez velho e se dispõe a ser ultrapassado por outro amanhã” (FREIRE, 1996, p. 31).

A aprendizagem aqui também é entendida como um movimento em espiral, possível a todos, libertadora por dar condições ao sujeito de se tornar mais consciente, mais livre e mais humano.

Comparando as duas afirmações sobre aprendizagem, percebe-se que ambas traduzem o mesmo processo de aquisição de conhecimento. A Neurociência explica o homem através de sua atividade encefálica, sempre em movimento, com novas conexões neurais possíveis a todo instante, sempre inconcluso. “É na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente” (FREIRE, 1996, p. 64)

Penso que se Paulo Freire fosse vivo hoje estaria encantado com as novas descobertas da Neurociência e as usaria para confirmar seus estudos sobre a natureza humana e a sua possibilidade infinita e libertadora, dada a todos, sem exceção, de aprender.

Por fim, há ainda uma descoberta da Neurociência que reafirma um saber fundamental para Paulo Freire, o envolvimento da emoção no processo da aprendizagem.

Nenhuma formação docente verdadeira pode fazer-se alheada, de um lado, do exercício da criticidade que implica a promoção da curiosidade ingênua à curiosidade epistemológica, e de outro, sem o reconhecimento do valor das emoções, da sensibilidade, da afetividade, da intuição ou adivinhação. (FREIRE, 1996, p. 51)

Biologicamente, a aprendizagem tem início com a entrada no Sistema Nervoso Central humano de uma informação sensorial, que para representar algum sentido ao sujeito, deve estar inserida em um contexto emocional, que envolverá algumas regiões do cérebro que serão acionadas para então ocorrer uma percepção única a aquele sujeito.  Pode ser uma emoção negativa, como quando alguém coloca o dedo em uma tomada eletrificada, ou pode ser algo bem mais agradável, como a lembrança do primeiro beijo, mas em ambas as situações, houve aprendizagem, a emoção esteve presente, marcando a possibilidade futura de um número maior de informações sendo combinadas com essas emoções e tantas outras que se juntarão a essas no decorrer da vida.

Hoje, quando o educador se pergunta, a cada aula preparada, a cada olhar discente de interesse ou de descaso, como melhorar o desempenho das aulas, é possível responder: escolha trabalhar os saberes priorizados com rigorosidade metódica; respeito à condição discente; criticidade/curiosidade; ética; emoção; afetividade; sensibilidade e esperança (do verbo esperançar). Tudo isso regado a certeza que todos são capazes de aprender, por se tratar essa ação própria da condição humana.

Referências

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

_______, P. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1993.

KANDEL, E.R. Princípios de neurociência. Porto Alegre: AMGH, 2014.