Caro leitor, cara leitora, este artigo será dividido em duas partes, a primeira delas publicada no dia de hoje e a segunda em breve. As duas publicações fazem parte do meu novo livro, o quarto, que será lançado em 2025, tendo você como meu convidado ou convidada de honra.
A decisão de publicar alguns momentos dessa nova obra aqui, foi impulsionada pelo respeito e compromisso que sempre tive por parte da Ponteditora – Jornal A Pátria – e da cumplicidade de vocês, meus queridos leitores e leitoras. A obra retrata um momento ímpar de minha trajetória, marcado pela aposentadoria, palavra cada vez mais fora de moda e difícil de acontecer. A necessidade de se reinventar e seguir novos caminhos é narrada de forma honesta, simples e com insights baseados nos estudos da Neurociência.
É como um presente de final de ano, que ofereço a pessoas especiais.
Boa leitura!
Metamorfose feminina: aposentada aos 58 anos de idade.
E agora?
APRESENTAÇÃO
Este livro nasceu de um momento confuso, onde minhas ideias viajavam entre parar de trabalhar e enfim “curtir” a vida, trabalhar em algo mais leve, com horários flexíveis ou então, passar o resto da vida fazendo ajustes financeiros para conciliar as contas do mês, o convênio médico e algumas pequenas viagens por aí.
O convênio médico venceu, aff!
Logo comecei a me organizar para voltar a trabalhar. Mas onde e como?
Trabalhei durante 40 anos na área educacional, como Professora, Gestora e Supervisora de Ensino. Durante esse período, além do acúmulo de larga experiência profissional, estudei muito para garantir uma evolução na carreira que resultasse em melhores salários. Especialização, mestrado e doutorado me deram gás para trilhar esses anos de trabalho duro. Mas agora era preciso me reinventar, observar o mundo e descobrir onde poderia me encaixar novamente. Com muita PACIÊNCIA, algo que reaprendi, pois com o tempo nos tornamos incrivelmente impacientes, comecei a juntar novamente tudo que tinha acumulado de conhecimento, de vivência, de observação, de curiosidade e de humildade.
Antes que você pergunte se minha vida até aqui foi só trabalho e se este livro será apenas sobre Trabalho duro, adianto que não. Casei-me aos 28 anos de idade, tenho um filho hoje com 22 anos e passei por altos e baixos típicos de mulheres que trabalham, cuidam da casa e dos filhos. Era um tal de corre para levar e buscar o filho na escola (algo que fazia com alegria, pois amava olhar a carinha dele ao me ver na porta da escola), corre de volta para o trabalho, pensa no almoço e no jantar, cuida dos pais que foram envelhecendo e só tinham a mim para auxiliá-los, estuda um pouco e dá uma olhada no marido, se não… e olha que foram vários “se não…” nessa história. Mas isso eu conto depois.
Nas linhas a seguir eu descrevo o caminhar da minha reinvenção profissional entrelaçada com a minha história de vida, as dúvidas, medos, erros, conquistas e novas aprendizagens de uma mulher, com 58 anos de idade, inserida novamente no tão temido “mercado de trabalho”. Temas como idade, preconceito, saúde, relacionamentos, família e ciência, se tramam com uma narrativa permeada pelas novas escolhas profissionais e humanas.
Alguns momentos do texto serão destacados com esta foto. Eles serão dedicados a contribuições da Neurociência para determinados momentos da narrativa. O funcionamento cerebral humano terá destaque, com explicações simples, porém de bases científicas sólidas. Aliás, ter tido o privilégio de estudar Neurociência na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo foi, sem dúvida, um divisor de águas na minha vida.
Para publicar esta obra, dediquei muito tempo ao seu preparo, revisitando momentos importantes da minha trajetória, lendo e relendo alguns livros e artigos científicos, procurando fotos antigas, coletando a opinião de amigos e familiares e por fim, em silencio, coletando meus pensamentos mais profundos, escondidos até de mim.
– A autora.
A APOSENTADORIA
Os últimos dez anos de trabalho como Supervisora de Ensino não foram fáceis. Enquanto funcionária pública do Estado de São Paulo, assisti o desmonte pedagógico e legal da Educação Pública paulista. Governos e desgovernos pareciam legislar com base em suas percepções pessoais ou de um pequeno e seleto grupo de pessoas mais próximas a eles, sem nunca ouvir os Supervisores de Ensino. Enquanto representante de uma categoria profissional historicamente responsável por tecer um paralelo entre as políticas públicas educacionais e o chão da escola, como Supervisora de Ensino me via por diversas vezes sem argumentos para defender uma nova legislação ou procedimento técnico, precisando me amparar no diálogo aberto e franco com as equipes gestoras escolares, tendo como base, não somente as questões legais, mas todo o conhecimento acadêmico e humano que dispunha. Tarefa difícil, estressante e nem sempre de sucesso.
Após a publicação da Lei Complementar n° 1.354, de 06 de março de 2020[1], que trata das aposentadorias e pensões do Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos do Estado de São Paulo, comecei a pensar na possibilidade da aposentadoria. Estudei a legislação, proeza que não foi só minha, pois todos os funcionários públicos paulistas também o fizeram, e percebi que em junho do ano de 2023, especificamente no dia do meu aniversário, eu poderia protocolar meu pedido de aposentadoria. E assim o fiz, após o protocolo, passados os trâmites legais pertinentes, no mês de janeiro de 2024 a publicação em Diário Oficial do Estado de São Paulo da minha aposentaria aconteceu.
De início foi uma alegria, as colegas e os colegas de trabalho me desejaram felicidade na nova jornada e logo perguntaram gentilmente se podiam já ocupar minha mesa de trabalho e computador, afinal, o trabalho não para. Por fim, a mesa foi ocupada, mas pelo que soube, por alguém que nem mesmo havia me perguntado se era adequado.
Hoje pensando nessa situação, percebo que há um apego estranho dos funcionários públicos por suas mesas de trabalho, como se elas oferecessem algum tipo de proteção e até representasse sua identidade, cada vez mais diluída diante do novo universo público brasileiro. Percebi que nunca tive apego a esse tipo de material e isso me causou outro tipo de estranhamento, como se eu tivesse trabalhado anos em um lugar sem nunca ter pertencido ao local. Confuso isso!
Voltando ao momento da aposentadoria, confesso que me senti feliz e aliviada, podia enfim me dedicar aos treinos diários da academia que sempre eram realizados às pressas, mas que agora podiam ter mais atenção e dedicação. Podia também me alimentar melhor, com calma e em casa, ler mais, adquirir novos conhecimentos e passear fora dos períodos de temporadas mais requisitadas e por isso, financeiramente mais caros. Mas logo veio uma desconfiança cruel, a de que meu salário de aposentada não daria conta de tudo isso. Durante o período de preparo para a aposentadoria reservei uma quantia financeira que garantisse um “respiro”, porém quando recebi meu primeiro salário verifiquei que 50% dele era para o pagamento do convênio médico e isso me preocupou bastante. Tinha um “respiro” sim, mas até quando?
Paralela a questão financeira, percebi que com o passar dos dias o fato de não estar trabalhando, vendo pessoas diferentes e interagindo com situações diversas pelo mundo começou a me incomodar, a tal da identidade estava de alguma forma ameaçada. Será que era a mesa ou a falta dela?
Nos últimos cinco anos de trabalho como Supervisora de Ensino, já imaginando meu futuro como aposentada do Estado, iniciei alguns projetos paralelos, participando como comentarista em alguns programas de rádio e TV aberta, escrevendo para algumas revistas acadêmicas e outras de circulação semanal. E foi como comentarista do Programa Gente que Fala, já aposentada, que comecei a observar o quanto a discussão de temas relacionados com a área educacional, social e política realmente me encantavam. Entendi que ficar longe dessas discussões me fazia mal, me entristecia, me amargurava. Bora rever tudo isso!
A primeira ação básica foi organizar o escritório de casa, com livros, computador e boa iluminação, fato que não foi difícil, pois sempre gostei de trabalhar em casa nas horas vagas, sem falar que a tal da mesa estava novamente presente em minha vida. Já a segunda ação foi arrumar meu guarda-roupa. Parece estranho e rotineiro, mas não é. Durante minha vida toda observei algumas pessoas que quando se aposentavam começavam a usar roupas desbotadas, chinelinho antigo para ir até a padaria, uma blusinha velhinha cheia de bolinhas para ir “rapidinho” ao mercado e isso me apavorava, não queria ficar assim. Para não cair nessa tentação, me desfiz sem dó de todas as roupas que me deixavam feia e mal arrumada, ficaram somente as roupas legais, mais modernas e confortáveis. Fiz a mesma coisa com os calçados, ficaram somente os bonitos e confortáveis. Pronto, não corria mais o risco de me entregar ao descuido rotineiro e fatal.
Outra atitude foi intensificar meus treinos na academia, crossfit e musculação alternadamente pelas manhãs e yoga duas vezes por semana no período da noite. Exercícios físicos fazem muito bem ao corpo e mente, auxiliam na socialização e na autoestima, fatores estruturantes para uma mente saudável. Cuidei também dos meus exames médicos rotineiros e de alguns procedimentos leves na área da beleza, afinal, os cabelos mudam de cor com a idade e a pele também se modifica, melhor cuidar com carinho. Outra atenção fundamental é com a alimentação, um bom Nutricionista é algo necessário.
O osso é um órgão endócrino e libera um hormônio denominado osteocalcina, que auxilia o aumento de algumas proteínas necessárias para a formação da memória. O fato de a osteocalcina[2] diminuir com o passar dos anos tem consequências para a perda de memória. Isso pode ser diminuído com a prática de exercícios físicos, quanto mais preservada estiver a massa óssea, maior a chance de liberação da osteocalcina e menor a chance de haver lapsos de memória. Para manter a saúde cerebral e física é fundamental manter uma boa alimentação, exercícios físicos e interação social.
Como quem fica parado é planta e eu não era uma espécie desse tipo, comecei a pensar em voltar a trabalhar, mas de forma leve e prazerosa, queria a fórmula mágica, que aliasse dinheiro e prazer.
Pobre Roberta, mal sabia o que viria!
[1] Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei.complementar/2020/compilacao-lei.complementar-1354-06.03.2020.html – Acesso em 28/05/2024.
[2] É uma proteína da matriz óssea que tem sido implicada com várias ações hormonais relacionadas à homeostase de glicose e ao metabolismo energético. Modelos animais e experimentais têm demonstrado que a osteocalcina é liberada do osso para a circulação sanguínea e age nas células betapancreáticas e no tecido adiposo.