Com a publicação da nova Base Nacional Comum Curricular/2018 (BNCC)[1], a discussão sobre Currículo tomou conta dos diversos ambientes educacionais, sempre nutrido pela preocupação em torno das intenções implícitas no documento, de como ele está estruturado e o que a escola de Educação Básica terá que adequar. Uma das principais discussões expressas no documento oficial, é o ensino pautado em Competências e Habilidades.

Este texto propõe uma discussão breve sobre o termo Currículo e sobre o ensino pautado em Competências e Habilidades, ambos cada vez mais presentes nos documentos educacionais, por serem temas fundamentais quando se fala em como melhorar o desempenho das aulas. Começamos com o termo Currículo.

De início, é preciso abandonar de vez a ideia de que Currículo se resume ao material didático utilizado por uma Escola ou Rede de Ensino, é com certeza bem mais que isso. Currículo contempla além da seleção de conteúdos e material didático, a atitude diária de todos os profissionais envolvidos no ato de ensinar, as formações em serviço, o material de apoio ao docente, a gestão escolar, o trabalho com a comunidade escolar e por fim, a dinâmica de sala de aula. Tudo isso é chamado de Currículo, que tem como objetivo primordial formar um Sujeito.

David Hamilton (1992), ao escrever sobre a origem dos termos Classe e Currículo, conclui que este último veio contribuir para o controle externo educacional, estabelecendo conteúdos e métodos educacionais:

Primeiro veio a introdução de divisões em classe e a vigilância mais estreita dos alunos; e, segundo, veio o refinamento do conteúdo e dos métodos pedagógicos. O resultado líquido, entretanto, foi cumulativo: o ensino e a aprendizagem tomaram-se, para o mal ou para o bem, mais abertos ao escrutínio e ao controle externo. (HAMILTON, 1992, p. 43)

Para Apple (2006, p. 103), o Currículo é visto como mecanismo de controle social, não sendo neutro e nem aleatório, pois representa os interesses de um determinado grupo. É preciso entender esses interesses sociais para então compreender a seleção de seus conteúdos. O autor relaciona esses interesses com as estruturas econômicas e políticas que contribuem com a desigualdade social.

Campos (2010), ao escrever sobre a importância do Currículo nos dias de hoje, afirma:

Nos dias de hoje, o currículo escolar encontra-se na berlinda. Tornou-se um objeto  de debate, uma área de disputa entre concepções diversas, ganhando um destaque significativamente maior do que tinha em décadas anteriores. Outra característica importante é que hoje esse fenômeno ocorre em escala internacional, apresentando traços e tendências comuns. (CAMPOS, 2010, p. 02)

Outros autores ao longo da história conceituaram Currículo com significados diferentes. Considerando o cenário político atual e o objetivo deste texto, o conceito que mais se aproxima é o abordado por Apple (2006), colocando o Currículo como instrumento de poder econômico, social e político.

E é nesse cenário que ganha importância a escolha de quais Competências e Habilidades devem estar presentes em um Currículo. Quem fará essas escolhas?

Entende-se por Competência o conjunto de ações e operações mentais que o sujeito utiliza para estabelecer relações com e entre os objetos, situações, fenômenos e pessoas que deseja conhecer. Para cada grupo de Competências há uma lista de habilidades que devem ser desenvolvidas para que o aluno alcance as competências correspondentes ao grupo.

Um bom exemplo dessa dinâmica ocorre quando um sujeito aprende a escrever sem precisar mais parar para pensar em qual letra vem depois ou antes da outra, quando sua escrita já está automatizada, podendo ser exercitada com foco de atenção em outra ação, como por exemplo, escrever enquanto ouve alguém falar. Dizemos que esse sujeito é competente na escrita, que atingiu níveis de proficiência nessa ação, automatizou-a de forma que não precisa mais ficar pensando na ordem das letras, ele conquistou a Competência Escritora.

Para conseguir ser competente na escrita, esse sujeito teve que se tornar primeiro habilidoso na ação de escrever, teve que aprender e exercitar o movimento motor, depois se apropriar do espaço, da imagem, do tempo correto, dos significados, do desenho de cada letra e do treino de atenção e foco. Todas habilidades necessárias para que um sujeito se torne competente na escrita, automatizado a ponto de escrever por longo tempo sem foco consciente em nenhuma das habilidades apreendidas anteriormente.

Há um número enorme de Competências e Habilidades presentes na vida humana, mas é preciso recortá-las quando pensamos na estrutura de um Currículo. Reflexões a respeito de questões como: que sociedade se quer formar; qual sujeito se deseja para essa sociedade; qual o futuro econômico desejável; entre outras, devem pautar a discussão de um Currículo baseado em Competências e Habilidades.

É nesse ponto que os educadores precisam dedicar maior atenção, pois nem sempre são ouvidos para a “edição” de um Currículo, quase sempre isso é realizado por Governos ou grandes Instituições Educacionais, que pensam o Currículo como um território de “poder”, lançando mão de uma ideia de sociedade adequada para os que pensam o Currículo e não para os que executam ou o “consomem”.

Sem a atuação dos educadores na formulação desse Currículo corre-se o risco de uma ideia de competitividade ser erroneamente instalada, como consequência de um Estado[2] capitalista com tendência liberal no qual as desigualdades econômicas e sociais são vistas como necessárias ao crescimento econômico.

Hayek (1985) ao explicar, dentro do princípio neoliberal, a liberdade econômica e social em decorrência de uma concorrência natural entre os mercados, afirma ser importante, como condição de eficiência deste Estado, que “os indivíduos acreditem que seu bem-estar depende, em essência, de seus próprios esforços e decisões e não do esforço do Estado. ” (HAYEK, 1985, v2, p. 93)

A Educação, então, passa a ser vista como mais um investimento econômico, em que o aluno passa a ser o capital humano, precisando por sua condição, proporcionar ao Estado retorno financeiro. Fatores como igualdade de oportunidades educacionais, sociais ou simplesmente de inclusão não são previstos nesse contexto, cujo lema seria quase este, salve-se quem puder.

Dentro dessa lógica perversa, a questão curricular passa a representar o lado do poder econômico, um poder ideológico, em que determinados saberes são trabalhados a serviço do Estado, para influenciar comportamentos e direcionar ações, caracterizando o que Bobbio (1987) ao escrever sobre as formas de poder, define como poder ideológico:

O poder ideológico é aquele que se vale da posse de certas formas de saber, doutrinas, conhecimentos, às vezes apenas de informação, ou de códigos de conduta, para exercer uma influência sobre o comportamento alheio e induzir os membros do grupo a realizar ou não realizar uma ação. (BOBBIO, 1987, p. 82)

Cabe-nos saber: Quem cobrar? Como cobrar? Como se chegar ao cerne do problema e elevar a autoestima da Educação como um projeto de Nação?

O poder da mudança está nas suas mãos – Sujeito-Educador – estude o tema, se torne competente na questão aqui abordada e então, faça acontecer.

O Futuro agradece!

 

Referências

APPLE, M. W. Ideologia e currículo. Porto Alegre: Artmed, 2006.

BOBBIO, N. Estado governo sociedade – Para uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

CAMPOS, M.M. Reformas educacionais: impactos e perspectivas para o currículo. Revista e-curriculum, São Paulo, v.6 n.1 dezembro, 2010.

HAMILTON, D. Sobre a origem dos termos classe e currículum. In: Revista Teoria e Educação, nº 06, p.33 – 52. Porto Alegre, Pannonica, 1992.

HAYEK, F.A. V. Direito, legislação e liberdade. São Paulo: Visão, 1985. V. 2.

 

 

 

[1] Disponível em http://basenacionalcomum.mec.gov.br/    – Acesso em 13/07/2018

[2] Entendido aqui como uma entidade com poder soberano para governar um povo dentro de uma área territorial delimitada.

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